Rkatsiteli; A Primeira casta de Uva Vitis vinifera da História
- Raffael Figlarz
- 10 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.

Quando você abre uma garrafa de vinho e deixa o aroma subir pela taça, talvez não imagine que está participando de uma história que começou há mais de 8.000 anos. Antes das modas, dos rótulos elegantes e das degustações harmonizadas, existiu uma primeira uva. A pioneira. Aquela que, provavelmente, deu início à viticultura como conhecemos hoje.
Mas afinal, qual foi a primeira casta de uva Vitis vinifera domesticada pela humanidade?

Tudo começa no Cáucaso
As evidências mais antigas de produção de vinho foram encontradas na região do Cáucaso, entre a Geórgia, Armênia e Irã, onde arqueólogos descobriram vestígios de vinificação datados de cerca de 6.000 a.C.. Esse berço da civilização vitivinícola é também o provável local onde o homem domesticou, pela primeira vez, a espécie Vitis vinifera subsp. vinifera, a cepa que deu origem a praticamente todos os vinhos que bebemos hoje.
E entre tantas variedades antigas, uma delas se destaca como a primeira casta cultivada com intenção enológica: a lendária uvali — que, segundo estudos genéticos, pode ter sido o ancestral de várias uvas atuais.

A Suspeita Número Um: Rkatsiteli
Embora não haja um “certificado de nascimento” da primeira casta de Vitis vinifera, muitos pesquisadores apontam a Rkatsiteli como uma das mais antigas uvas domesticadas conhecidas pelo homem.
Originária da Geórgia, essa casta de casca verde-clara era amplamente cultivada há milhares de anos — e ainda é usada na produção de vinhos até hoje. O nome “Rkatsiteli” significa literalmente “videira vermelha” na língua georgiana, uma referência aos tons avermelhados que suas folhas adquirem no outono.
Arqueólogos encontraram resíduos de ácido tartárico (marcador químico da fermentação do vinho) em potes de cerâmica de 6.000 a.C. na região georgiana de Kvemo Kartli — e muitos acreditam que esses vinhos primitivos foram produzidos com a Rkatsiteli ou com alguma de suas ancestrais diretas.

Um DNA ancestral
Graças à tecnologia moderna, como a análise genética de cepas antigas, os ampelógrafos (especialistas em videiras) conseguiram mapear as relações entre uvas históricas e modernas. A Rkatsiteli e outras variedades caucasianas — como Saperavi e Kisi — estão entre as mais “primitivas”, ou seja, menos modificadas por cruzamentos ao longo dos séculos.
Essas castas são tão importantes para a história da viticultura que a Geórgia é considerada o "berço do vinho" — e com razão. Lá, a tradição do vinho é preservada em ânforas de barro chamadas qvevri, enterradas no solo, em um método praticamente inalterado desde os tempos pré-históricos.
E a Bíblia, onde entra nisso?
Curiosamente, essa região coincide com a área onde, segundo o relato bíblico, Noé plantou uma vinha após o dilúvio (Gênesis 9:20). Alguns estudiosos e teólogos sugerem que essa referência pode apontar justamente para a mesma área do Cáucaso onde o vinho começou sua jornada.
Não é exagero dizer, portanto, que a primeira videira cultivada pode ter dado origem tanto à tradição agrícola quanto à simbologia religiosa do vinho.
O gosto da origem
Hoje, você ainda pode encontrar vinhos feitos com Rkatsiteli, especialmente na Geórgia, mas também em países como Ucrânia, Rússia, Estados Unidos e até Austrália. Eles costumam ter um perfil aromático fresco e cítrico, com notas de maçã verde, ervas e especiarias — especialmente quando vinificados no estilo “âmbar”, com maceração das cascas, como se fazia na antiguidade.
Beber um Rkatsiteli é, de certa forma, provar um fragmento da história da humanidade.
A primeira casta de uva Vitis vinifera conhecida pelo homem talvez nunca seja identificada com 100% de certeza. Mas entre mitos, fósseis e potes de barro, uma coisa é certa: a paixão pelo vinho começou com uma uva simples, cultivada com reverência e curiosidade por nossos antepassados.
E essa paixão, felizmente, nunca mais acabou.
Um brinde à Rkatsiteli — ou a quem quer que tenha sido a primeira uva a tocar nossos corações.



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